quarta-feira, 9 de março de 2011

Milão


Quando eu tinha só cinco anos, minha tia Ângela sempre vinha nos visitar durante a semana santa - não que eu soubesse o nome de todas as minhas tias, mas a tia Ângela era meio peculiar, ao julgar o seu cabelo sempre despenteado, suas meias de lã vermelhas - com um fiapo sempre emaranhado na
fivela de seus chinelos de palha - e seu aroma de grama molhada.
Nós passeávamos na praça que fica na esquina da casa de minha vó - não lembro o nome dessa avó, mas lembro do de vó Tereza, que fritava aqueles bolinhos de chuva pra mim e brincava comigo de pique-esconde -, e ficávamos sentadas naquele banco amarelo todo rabiscado que ficava de frente pra aquela gangorra que tia Ângela nunca me deixava brincar - por não parecer segura o suficiente, e por ela não acreditar que fosse jovem o bastante - ou saudável o bastante - pra brincar comigo.
Acho que ela sembre buscou a segurança de tudo, e talvez por isso seus 50 anos não tivessem sido tão bem vividos - não que eu acredite naquele discurso cliclê de que "para se viver bem, se deve arriscar", mas, por não conseguir transparecer o que desejava de verdade, a tia Ângela se acomodou em diversas circunstâncias onde ela poderia ter ido mais longe, como se o que ela acreditava que deveria ser o final, na verdade era só mais um obstáculo à ser passado.
Ela costumava me contar histórias de seu gato Milão, contava como ela havia o encontrado na Avenida Principal e como se comoveu o suficiente com seus
ferimentos, a ponto de levá-lo pra casa pra cuidar.
Quando Milão sarava, ele fugia de casa - aparecia umas duas semanas depois, todo machucado, como se acreditasse que só a solitária tia Ângela pudesse ajudá-lo.
Mesmo sabendo que Milão fugiria novamente, ela sempre cuidava dele.
Quando se está solitário, cada momento em que você se sinta necessário pra alguém - útil pra alguma coisa-, é crucial.
Ela contou que dois anos depois, Milão fugiu novamente e não voltou mais pra casa, mas ela já esperava que esse dia chegasse - ele estava envelhecendo, e tia Ângela também, só que, diferente dela, Milão sabia a hora de partir. -
Agora, uns 17 anos depois, estou sentada aqui com minha mãe na mesma praça que tia Ângela passeava comigo e fico pensando se um dia eu serei como um Milão na vida de alguma tia Ângela.
Quando fico em silêncio por muito tempo, minha mãe acaba me perguntando em que eu estou pensando.
Mas como dividir com alguém os meus pensamentos - que são a única coisa que eu tenho ?
"Estou fadada à solidão" - repito pra mim mesma.

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