sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

chinelo colorido.


se sentir desamparada, é como ser obrigado a comer algo que você não quer, ou ter que ir à algum lugar.
como quando seus pais decidem que vão à praia, num dia que você já tinha sua programação toda pronta.
e quando as reclamações verbais cessam, você aparece de calça jeans, tênis e camiseta, protestando exteriormente a confusão de sua mente perturbada.
e, ao chegar na praia, você vê que está mais calor do que imaginava,
mas como seu ego acaba sendo muito maior do que você mesmo, so lhe resta exclamar:
'esqueci meu chinelo em cima da cama'.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

shine for me .


ela estava em pé na sacada que partia a sua antiga casa de tijolos à vista em duas, faltava pouco pra ir embora.
ainda conseguia vê-lo virar a esquina na rua a sua frente, sabia que não o veria alí novamente.
havia passado a noite acordada olhando para o céu.
como é possível uma estrela estar sempre no mesmo lugar, sé até mesmo os balões soltos no vento somem em algum lugar da troposfera ?
as vezes deixar tudo pra trás pode ser uma bela forma de recomeçar.

domingo, 9 de janeiro de 2011

ahora és mexicana .


sentamos na ponta do pier e colocamos nossos pés na água.- sempre ficávamos assim quando tinhamos coisas importantes pra conversar.
ela era minha melhor amiga - ela sabia disso - eu era sua melhor amiga, e sabia disso também.
ficamos em silêncio por um tempo, ela olhou pro meu reflexo na água e uma lágrima escapou de seus olhos.
franzi a testa, não estava entendendo direito. resolvi pegar um pouco daquele sorvete se creme com passas pra que ela se acalmasse.
já na cozinha, demorei muito pra tirar um pouco do sorvete congelado do pote vermelho reluzente, e começei a pensar que, enquanto eu tentava tirar
aquele sorvete dalí, pessoas nasciam, pessoas renasciam, pessoas morriam e pessoas até estariam pensando em suicídio, como se aquela alternativa
egoísta fosse a única salvação de um mundo tomado pelo preconceito e pela hipocrisia, pois a morte, afinal, é isso, definitiva.
ela ainda estava chorando quando eu te entreguei o sorvete de creme com passas naquela caneca amarela do super-homem que ela tinha me dado dois dias antes.
ela me olhou nos olhos e, quando não havia mais pra onde fugir, me contou.
contou que os adultos sempre estão fugindo de alguma coisa, como foi com o pai dela que resolveu que iria se mudar pro México, levando ela consigo.
ela disse que já havia implorado pra ficar, mas que seu pai era inflexível, contou que até disse a ele que ela não queria ir, que não era justo ela ter
que mudar de vida por causa das escolhas repentinas que ele tomava.
ela me disse também, que aquilo havia lhe custado um belo tapa na boca - disse até, que ainda sentia a dor pulsando.
quando não havia mais nada pra ser dito, eu me peguei chorando também.
nos abraçamos por uns minutos entre lágrimas e planos futuros, agora frustrados.
então eu percebi que chorar não iria ajudá-la em nada, ela precisava de força pra seguir adiante, ela precisava da minha força;
então eu começei a rir, e quando ela perguntou qual era a graça, eu disse que estava imaginando ela usando aqueles chapéus grandes e ridículos, que
nós sempre esculhambávamos quando viamos nas fotos da nova namorada de seu pai.
ela riu também, disse que eu seria a primeira a ver uma foto dela com aquilo.
eu pedi pra ela me escrever as vezes, disse a ela que mandar uma carta custava poucos cruzeiros, que ela poderia pagar com os que o pai lhe dava até então;
ela disse que me escreveria toda a semana, pra sempre.
no dia seguinte, fui à estação de trem com ela e o pai. os soluços durante o seu choro eram inevitáveis.
ela entrou no trem cambaleando, e quando o trem partiu, ela riu quando eu joguei um lenço pro alto, recriando uma daquelas cenas frustradas dos filmes em
preto e branco que assistíamos sempre.
sua risada sumiu dentre a fumaça do trem, e o único barulho que eu pude ouvir vinha dos choros das pessoas ao meu redor, mas eu sabia que não eram
choros de saudade, ainda era muito cedo pra sentir saudade de alguem que havia ido há menos de um minuto atrás, as pessoas choravam por puro
sadomasoquismo, antecipando a sensação de falta que aquela pessoa iria fazer.
os meses passavam, e suas cartas acabaram se tornando mais raras, mais inconstantes.
eu já esperava por isso,
agora ela já deveria ter outra melhor amiga, outra pessoa com quem ela daria risada e falaria coisas sem sentido, outra pessoa com quem ela se sentaria num
pier pra dividir seus medos e suas frustrações. mas nada disso significava que eu não fosse importante pra ela.
a única coisa que eu sabia era que, assim como hoje, todo o dia eu abriria a caixa do correio, esperando pedacinhos de saudade, de risadas e esperaria
também para rir com a foto dela usando aquele chapéu mexicano horrível.

horrível mesmo.